quarta-feira, 15 de abril de 2009

Ruptura

Nasceu. Mas não queria nascer. O homem de branco tascou-lhe um tapa burocrático, e o nascido berrou.
O pequeno ser observou e absorveu o mundo, compreendeu-o absolutamente, sem dúvidas, sem falhas. Em meio a sua epifania, seu pensamento- pastoso e inconstante- era zeppelin. Pairava acima do Conhecimento, acima da Forma, acima da Cor, acima do Impossível, movimentava-se com dificuldade, como se estivesse sendo constantemente puxado por uma infinidade de pegajosos e espessos fios.
O voador estava imerso em substância morna similar ao magma, porém nívea e confortavelmente úmida. Um sorriso invadiu as feições sem identidade do invólucro do voador. A substância evocou as memórias de sua vida anterior: o útero.
Tão rápido quanto o pequeno fora expelido de sua desavisada mãe, o zeppelin dissolveu-se, virou visão, percepção e self-awareness. Chorou, queria voltar! sabia que havia sido real, um real líquido que escapava por entre os dedos, mas real. Não queria este mundo, tão palpável e raso, queria voltar a voar.
O nascido nunca mais voltou ao seu zeppelin, viveu a sua vida neste mundo como um espectador inerte, como se estivesse tentando voar novamente.
Morreu, no momento em que nasceu.